UEMS: Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul é a primeira do Brasil a oferecer cotas indígenas em todos os cursos
Uma sala de sapé foi o palco onde aquele professor leigo, com o Ensino Médio recém completo, iniciou uma carreira que, mais tarde, atravessaria o Atlântico. Nascido em 1971 em uma pequena aldeia indígenas no interior de Mato Grosso do Sul, Tonico Benites só pode estudar até o 5º ano em sua terra e, como era corriqueiro ali, teve que seguir para o corte de cana. Porém, foi aos 21 anos que a educação começou mudar sua vida e fez despertar uma trajetória marcante, de um homem que saiu do corte de cana, concluiu os estudos com supletivo e começou a dar aulas na aldeia Jaguapiré, onde tinha que ser multifunções: professor, diretor, merendeiro e até vigia da escola, localizada em uma área de pós-conflito. Foram anos de luta até que, já com magistério de nível médio concluso, ele ingressou no curso Normal Superior da UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul) e começou então a ensaiar seus voos mais altos. Deslocando-se por conta própria de Iguatemi até Dourados, ele deu os primeiros passos para, lá no futuro, chegar ao pós-doutorado na França e na Alemanha. “Sou filho da UEMS, por onde ando carrego o nome da universidade. Ela faz parte da minha trajetória acadêmica”, declara Benites, um dos muitos exemplos de superação de barreiras a partir das oportunidades geradas pela educação e pela valorização da pesquisa, além do fomento de ações para abrigar as populações mais vulneráveis. Formatura no curso de Normal Superior na UEMS (Foto: Arquivo Pessoal) O pioneirismo da UEMS na inclusão e valorização cultural dos povos indígenas fez com que ela fosse a primeira universidade brasileira a conceder reserva de vagas, no quantitativo de 10%, para os povos originários em todos os cursos de graduação da instituição. Em 2024 a instituição teve 615 indígenas matriculados nos cursos de graduação oferecidos ali – sendo 570 no formato de aulas presenciais e 45 no modelo de ensino à distância. Isto mostra o compromisso da universidade e do Governo de Mato Grosso do Sul em oferecer melhores oportunidades de futuro e educação aos povos que fazem parte da história do Mato Grosso do Sul e seguem contribuindo de maneira relevante para a sociedade como um todo, a partir de riqueza cultural única e da promoção de reflexões sociais importantes. A educação transforma vidas As dificuldades de Tonico para concluir a faculdade, claro, eram muitas, mas ele persistiu. Incentivado por professores que o encorajavam e o ajudavam, ele mesmo sem bolsa ou outro auxílio conseguiu se formar e seguir em frente, trazendo holofotes para a educação escolar indígena e educação intercultural em seus estudos até hoje. “Todo professor que tive na época sempre me encorajou, sempre permitiu didaticamente um espaço para repensar, para refletir sobre a educação, história da educação, a forma que foi introduzida na educação escolar na comunidade indígena e por isso a minha monografia foi sobre educação escolar indígena na comunidade Guarani Kaiowá”, explica Benites. “Abordo como foi a chegada, qual a dificuldade e qual avanço, tanto do ponto de vista de quem estava levando e na visão indígena também como é como ver a importância da escola, escolarização. Segui até o mestrado e continuo discutindo a educação escolar indígena,ou seja, a educação para indígena, a educação intercultural”, conclui o hoje professor da UEMS. Além disso tudo, um forte legado está construído: a UEMS se tornou referência para outros indígenas, tonto que a filha de Tonico hoje curso Letras na universidade, e o trabalho de Benites auxiliou no desenvolvimento de sua aldeia, que agora conta com mais de 400 alunos na escola local, reconhecida como Escola Polo, ofertando até o Ensino Médio. Já a aldeia Jaguapiré cresceu: de 300 habirantes no período em que ali só tinha a escola improvisada de sapé, saltou para atuais para 1 mil moradores. “Foi uma experiência riquíssima, porque eu vi a transformação acontecer. Isso foi a história da comunidade e eu acompanhei, pois quando comecei dar aula não tinha sala de aula por conta do conflito, mas hoje todos os direitos que a comunidade tem estão sendo respeitados”, finaliza. É um ledo engano pensar que a história de Tonico é a única. Muitos outros indígenas puderam contar ao longo de praticamente duas décadas com a UEMS para alavancar suas carreiras a partir do Ensino Superior. Desde 26 de dezembro de 2002, a universidade tem implantada por lei a reserva de 100% de vagas aos indígenas em todos os cursos. Assim, Mato Grosso do Sul o único estado que tem uma legislação que garante o acesso aos povos indígenas à educação pública superior, o que é considerado um grande avanço nas políticas públicas voltadas ao setor. Em 2002, a UEMS ofereceu o primeiro curso específico para indígenas: Curso Normal Superior Indígena, com turmas em Aquidauana (para Terena) e em Amambai (para Guarani e Kaiowá). A Universidade também é protagonista na criação do primeiro Curso de Pedagogia Intercultural (Licenciatura), ofertado na unidade em Amambai. Essa graduação foi primeiramente ofertada para professores guarani e kaiowá que estejam atuando nas escolas municipais de Amambai e Caarapó. Já em 2023 foram aprovados o curso de Agroecologia Intercultural para os Povos Indígenas do Pantanal (bacharelado) em Aquidauana, assim como o curso de Agroecologia Intercultural (tecnológico) para Amambai; e de Agroecologia Intercultural (tecnológico) para Indígenas Apenados em Regime Semiaberto e Indígenas não Apenados de Dourados. Propaganda na TV muda a vida de Leosmar Um comercial na TV destacando o Vestibular UEMS com cotas para negros e indígenas foi decisivo para que Leosmar Antonio mudasse de vida. Indígena Terena, nascido na aldeia Cachoeirinha em Miranda, ele cresceu em contato com saberes tradicionais e chegou a estudar em internato na Fundação Bradescom durante o Ensino Fundamental. Já o Ensino Médio foi concluído em escola urbana. Como tantos outros, várias barreiras tiveram que ser superadas por Leosmar, que sem conhecer ninguém em Dourados, sozinho, se mudou para a cidade ao ser aprovado no curso de Ciências Biológicas da UEMS. Para se sustentar, trabalhou até como servente, até conseguir o Vale Universidade